Personagem um livro da vida
Pedro Karp Vasquez
Niterói, 2002
Palavra
e imagem sempre fizeram boa combinação, há mais de um milênio, se considerarmos
a tradição oriental, e, no mínimo, há séculos, se nos restringirmos, como
recomenda a prudência, ao Ocidente. Nada mais natural do que esta conjunção,
pois se é verdade que uma imagem pode valer por mil palavras, também é verdade
que uma palavra pode valer por mil imagens...
Tendo
iniciado a sua carreira como repórter fotográfico em dois dos mais importantes
periódicos brasileiros – a revista Manchete e o Jornal do Brasil – Aguinaldo Araújo Ramos sabe muito bem
disto, pois experimentou na pele todos os acertos e desacertos propiciados pela
combinação entre palavra e fotografia no âmbito da imprensa. O que o levou
recentemente a conferir a seu trabalho uma direção mais autoral, passando a assumir
ele próprio a redação dos textos que acompanham suas imagens – selecionadas no
vasto acervo pessoal que constituiu ao longo de duas décadas e meia.
Nada
mais natural para o fotógrafo de imprensa do que o anseio de resgate de suas
melhores fotografias, evitando – como ele mesmo diz – "deixá-las morrer,
ainda em negativo, no fundo de uma gaveta (ou, quem sabe, perdê-las numa mudança...)".
Entretanto, se o impulso imperioso de revirar arquivos e gavetas é natural no
fotojornalista experiente, este costuma ter um caráter excessivamente
previsível, gerando obras do tipo "as melhores fotos de fulano",
enquanto no caso de Aguinaldo Ramos a dinâmica foi totalmente diversa, pois ele
explorou seu baú não no simples afã de colher aplausos retroativos e sim no –
muito mais interessante – de compor uma obra inteiramente nova e nada
saudosista. Ousando escrever ele mesmo os textos que acompanham suas fotografias,
ele não o fez para classificá-las, datá-las ou explicá-las e sim para oferecer
novas possibilidades dc leitura, nascidas da combinação entre texto e imagem.
Seus
textos não são nada jornalísticos, sendo antes poéticos e proféticos, à maneira
do I Ching. Sob sua forma original de livro, a narrativa, retratando a vida de
Personagem (ora homem, ora mulher) tem um princípio e um fim, sendo inclusive
pontuada por títulos numerados, mas esta também pode ser lida de forma
aleatória, como quem consulta o I Ching por sorteio. Isto sendo possível porque,
ainda que a narrativa se inaugure com um parto e se encerre com uma "ascensão
aos céus", existe uma sugestão subjacente de que este seja apenas um
fragmento de um grande continuum que
se repetira ainda muitas vezes, tantas quantas forem necessárias, até que Personagem
se dissolva em definitivo naquela luz em cuja direção ele ruma inapelavelmente.
Certa
vez presenciei com tristeza um renomado profissional lamentando ser "o
destino de todo jornalista brasileiro o de passar a velhice num bar amolando os
outros com as lembranças das 'grandes matérias' que fez e das quais ninguém, a
não ser ele, se lembra na verdade”. Previsão que se faz cada vez mais concreta
a medida em que a globalização e a diversificação dos meios de comunicação
conduzem a difusão e a produção de notícias ao paroxismo, fazendo com que estas
envelheçam não mais de um dia para o outro e sim, literalmente, de uma hora
para outra, em virtude deste novo tempo, enganosa e maquiavelicamente
denominado de real.
Entretanto,
Aguinaldo Araújo Ramos não precisa temer a condenação a este purgatório dos
jornalistas, pois ele soube criar um novo caminho para seu trabalho,
enveredando por uma trilha dominada não pela restritiva lógica dos fatos e sim pelas
infinitas possibilidades da imaginação.
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